Anatomia
Desenho de esqueleto de morcego.
O
osso do
metacarpo e o segundo e quinto dedos dos membros anteriores são alongados, e entre eles existe uma
membrana, chamada
feiosa brósiliti quiropatágio. A membrana se estende dos
dedos até ao lado do corpo e deste até à base dos membro posteriores. A
asa inteira de um morcego é chamada
patágio. Muitas espécies têm também uma membrana entre os membros posteriores incluindo a
cauda. Esta membrana é o
uropatágio.
Desenho de asa de morcego.
Esqueleto de um morcego vampiro comum "Desmodus rotundus"; note a dentição especializada.
O patágio está cheio de delicados
vasos sangüineos,
fibras musculares e
nervos. No tempo frio, os morcegos enrolam-se em suas próprias asas como num casaco. No calor eles as expandem para refrescar seus corpos.
O
polegar e às vezes o segundo dedo dos membros anteriores têm
garras, bem como os cinco dedos dos membros posteriores. As garras traseiras permitem aos morcegos agarrarem-se aos galhos ou saliências. Os morcegos também podem se mover no chão, mas são bastante desajeitados.
Quase todos os morcegos são ativos à noite ou ao
crepúsculo, com exceção do grupo das raposas-voadoras, que inclui muitas espécies diurnas. Os seus sentidos de
olfato paladar e
audição são excelentes e, ao contrário do que muitos pensam, morcegos possuem uma boa
visão. Eles possuem também o sentido da ecolocalização (biossonar), que levou a diversas modificações morfológicas em várias espécies de morcegos, chegando a aparências bizarras como a dos morcegos
Centurio.
Seus
dentes no geral se parecem com os dos mamíferos da ordem
Insectivora (toupeiras e musaranhos). Porém, há uma grande variedade de dentições entre os morcegos, relacionadas às suas linhagens evolutivas e hábitos alimentares
[2]. Por exemplo, morcegos frugívoros costumam ter um grande número de dentes, tendo molares e pré-molares bem largos e fortes, que usam para mastigar a polpa fibrosa de muitos frutos. Já morcegos que se alimentam de néctar tem poucos dentes, que são de menor tamanho, já que esses morcegos só bebem líquidos. Morcegos-vampiros, por sua vez, tem dentes incisivos bastante grandes e afiados, que usam para fazer cortes precisos e superficiais nas suas presas, das quais lambem o sangue.
Ecolocalização
A grande maioria dos morcegos possui um sexto
sentido, aliado aos cinco a que nós humanos estamos acostumados: a
ecolocalização [5], ou seja, orientação por ecos. Este sentido funciona basicamente da seguinte maneira: O morcego emite ondas
ultra-sônicas (frequência acima de 20 KHz, inaudíveis para humanos) pelas
narinas ou pela
boca, dependendo da espécie. Essas ondas atingem obstáculos no
ambiente e voltam na forma de
ecos com frequência maior pois ao voltar o eco mais a velocidade do morcego são somadas. (
Efeito Doppler) . Esses ecos são percebidos pelo morcego. Com base no tempo em que os ecos demoraram a voltar, nas direções de onde vieram, e na frequência relativa dos ecos (
efeito Doppler), os morcegos sentem se há obstáculos no caminho, assim como suas distâncias, formas e velocidades relativas. Isso é especialmente útil para caçar insetos voadores, por exemplo, mas morcegos com outras dietas também usam bastante esse sentido.
Alguns dos ancestrais dos morcegos - musaranhos e toupeiras (mamíferos da ordem
Insectivora) - já possuíam um sistema de ecolocalização rudimentar. Supõe-se que os morcegos da subordem Microchiroptera desenvolveram seu sistema sofisticado como uma novidade evolutiva, e que as raposas-voadoras da subordem
Megachiroptera perderam esse sistema originalmente, tendo algumas espécies desenvolvido posteriormente um sistema rudimentar baseado em cliques da língua
[6]. Outros sistemas de ecolocalização evoluíram de forma independente em
golfinhos,
baleias, andorinhões e outros animais.
A ecolocalização também pode ser chamada de biossonar, pois a partir desse sistema natural foram desenvolvidos os
sonares de
navios e os aparelhos de
ultra-som. Na verdade, nenhuma "imitação humana" se compara à qualidade do sistema natural. Assim, os morcegos contam com um recurso muito importante para animais que precisam se orientar à noite ou em ambientes escuros, como as
cavernas. A eficiência da ecolocalização varia entre as espécies de morcegos, sendo que os de hábito alimentar
insetívoro, ou predadores de insetos em geral, possuem-no mais desenvolvido. A ecolocalização é importante também para morcegos que se alimentam de plantas, pois ela os ajuda a encontrar frutos e flores
[7] e reconhecer suas espécies com base no padrão de ecos que produzem
[8]. Alguns morcegos usam a ecolocalização também para se comunicar com outros indivíduos da mesma espécie; isso é importante principalmente no reconhecimento entre mães e filhotes
[9]. Já se tem estudado aplicações da ecolocalização na orientação de pessoas cegas
[10].
Morcegos vampiros (subfamília Desmodontinae) tem ainda um sétimo sentido, a termopercepção (leia mais no tópico sobre a raiva).
Reprodução
Um morcego
Artibeus cinereuscuidando do seu filhote debaixo de uma tenda feita em uma folha, na Reserva Michelin, Brasil
Um morcego recém-nascido se agarra à pele da mãe e é transportado, embora logo se torne grande demais para isto. Seria difícil para um adulto carregar mais de uma cria, portanto normalmente nasce apenas uma. Os morcegos freqüentemente formam colônias-berçário, com muitas fêmeas dando à luz na mesma área, seja uma
caverna, um oco de árvore ou uma cavidade numa construção. A gestação dura de dois (em algumas espécies de morcegos frugívoros) a sete meses (em morcegos hematófagos), variando conforme a espécie. Em algumas espécies duas
glândulas mamárias estão situadas entre o peito e os ombros (
axilares), mas também podem ser peitorais ou abdominais.
Embora a habilidade de voar seja congênita, imediatamente após o nascimento as asas ainda são pequenas demais para voar. Os jovens morcegos da ordem
Microchiroptera se tornam independentes com a idade de seis a oito semanas, os da ordem
Megachiroptera não antes dos quatro meses. Com a idade de dois anos os morcegos estão
sexualmente maduros.
A maioria dos morcegos tem apenas um filhote por gestação e de uma a duas gestações por ano. Há exceções como os morcegos do gênero
Lasiurus, que costumam ter quadrigêmeos, e alguns morcegos
Myotis, que podem ter três ou quatro gestações por ano
[11]. A expectativa de vida do morcego vai de quatro a trinta anos, variando muito conforme a espécie
[12]. Morcegos que se alimentam de plantas costumam ter sua sazonalidade reprodutiva influenciada pela oferta dos frutos ou flores de que mais gostam, porém em alguns locais as variações no clima podem ser muito importantes
[13].
Morcegos apresentam uma grande variedade de comportamentos reprodutivos
[14]. Em geral, a maioria das espécies de morcegos é poligínica , ou seja, um macho dominante mantém o controle sobre várias fêmeas (harém), enquanto machos subordinados lutam para conseguir copular secretamente com algumas delas. Há espécies de morcegos em que os machos têm glândulas de cheiro nos ombros ou pescoço, usadas para emitir odores que atraem as fêmeas. Em outras espécies os machos têm ornamentos, como cristas na cabeça, que desempenham um papel na seleção sexual. Além disso, algumas espécies apresentam comportamentos sexuais bem curiosos, como até mesmo felação
[15].
Inimigos naturais
Os morcegos pequenos são às vezes presas de
corujas e
falcões. De maneira geral, há poucos animais capazes de caçar um morcego. Na Ásia existe um tipo de falcão que se especializou em caçar morcegos. O
gato doméstico é um predador regular em áreas urbanas, pega morcegos que estão entrando ou deixando um abrigo, ou no chão. Poucos morcegos descem ao chão para se alimentar, salvo casos observados nos gêneros
Artibeus e
Centurio. Morcegos podem ir ao chão devido a acidentes enquanto estão aprendendo a voar, em tempo ruim, como estratégia de aproximação ou então quando estão doentes. Também existem relatos de algumas espécies de
sapos e
lacraiascavernícolas que predam morcegos, além, é claro, de morcegos carnívoros maiores, especialmente da tribo
Vampirinii, que se alimentam dos menores. Marsupiais neotropicais, como
gambás e
cuícas da família
Didelphidae, também costumam predar morcegos. Cobras também são importantes predadores de morcegos
[16].
Os piores inimigos dos morcegos são os
parasitas. As membranas, com seus vasos sangüíneos, são fontes ideais de alimento para
pulgase
carrapatos. Alguns grupos de insetos sugam apenas o sangue de morcegos, por exemplo as moscas-de-morcego, pertencentes às famílias
Streblidae e
Nycteribiidae. Nas suas cavernas os morcegos ficam pendurados muito próximos, portanto é fácil para os parasitas infestar novos
hospedeiros.
Interações com plantas
Um morcego
Platyrrhinus lineatus se alimentando de um fruto de caqui-do-cerrado (
Diospyros hispida), na reserva da UFSCar, Brasil
Um típico morcego nectarívoro (
Lichonycteris obscura) na Reserva Michelin, Brasil. Na foto é possível ver o focinho e parte da língua, geralmente muito alongados em morcegos que se alimentam de flores.
Os morcegos interagem com plantas de diversas formas, como por exemplo através do consumo de
frutos e
sementes, do consumo de
néctar e
pólen, do consumo de
folhas, da construção de tendas em folhas e do uso de cavidades em árvores como abrigos
[17]. Essas interações podem ser classificadas quanto ao seu resultado para os morcegos e as plantas em quatro tipos
[18]:
comensalismo, ao utilizarem partes da planta como abrigo, sem causar-lhe prejuízo;
parasitismo, quando consomem partes da planta sem matá-la, causando-lhe algum prejuízo;
predação, caso matem as sementes ao consumirem os frutos;
mutualismo, quando ambas as partes de beneficiam da interação, como no caso da
polinização e da
dispersão de
sementes.
Atendendo a que o comensalismo não afeta a planta, o parasitismo por morcegos não chega a ser muito intenso e a predação também não é muito frequente (já que os morcegos não costumam danificar sementes, exceto pelos morcegos Chiroderma), o mutualismo é a interação que desperta mais interesse, tanto pela sua frequência quanto pela sua grande importância ecológica. Há duas formas básicas de mutualismo entre morcegos e plantas: a polinização e a dispersão de sementes.
Na polinização
[19], os morcegos visitam flores para consumir néctar, e acabam por transportar o
pólen de uma flor a outra, ajudando assim na reprodução das plantas visitadas. Algumas plantas, como algumas espécies de agave (matéria-prima da tequila), dependem fortemente de morcegos para sua polinizacão. Os principais morcegos envolvidos nesse tipo de mutualismo no Novo Mundo pertencem às subfamílias Glossophaginae, Brachyphyllinae e Lonchophyllinae (Phyllostomidae), e à subfamília Macroglossinae (Pteropodidae) no Velho Mundo. Os morcegos mais especializados em se alimentar de néctar geralmente tem poucos dentes e algumas espécies tem línguas extremamente compridas, que as ajudam a alcançar o fundo dos tubos florais de plantas muito especializadas na polinização por morcegos
[20].
Na dispersão de sementes
[21], os morcegos pegam
frutos de diferentes plantas para comer e, ao fazerem isso, ingerem ou carregam as
sementes, dependendo do tamanho. Com isso eles transportam as sementes por longas distâncias, ajudando também na reprodução das plantas e na colonização de novas áreas. No Novo Mundo, os principais morcegos dispersores pertencem às subfamílias Carolliinae e Stenodermatinae (Phyllostomidae), sendo responsáveis pela dispersão de mais de 500 espécies de plantas. No Velho Mundo, os morcegos frugívoros pertencem a diferentes subfamílias de Pteropodidae. Morcegos usam diversos critérios para escolher os frutos que vão comer, dentre eles o tamanho
[22], a cor, o odor
[23], a forma e a posição na planta
[7]. Há morcegos frugívoros que, além de dispersarem sementes, podem também consumir algumas, sendo classificados como predadores de sementes; é o caso dos filostomídeos do gênero
Chiroderma, que possuem adaptações fisiológicas e morfológicas para a granivoria
[24][25].
Uma outra forma muito interessante de interação entre morcegos e plantas é a construção de tendas em folhas. Ainda não há consenso se essa interação é um comensalismo ou um parasitismo. Muitas informações interessantes podem ser consultadas em um livro de 2007 sobre morcegos fazedores de tendas
[26]. Esse hábito de construir tendas e levar frutos para comer debaixo delas pode até resultar em benefícios para a dispersão de sementes de outras plantas
[27].
Transmissor da raiva
Um morcego vampiro comum
Desmodus rotundus, na Fazenda Canchim, Brasil
Ainda que o perigo de transmissão de
raiva se resuma aos locais onde essa doença é
endêmica, dos poucos casos relatados anualmente em algumas localidades, a maioria é causada por mordidas de morcegos. Porém, na maioria dos lugares, especialmente nas cidades, os principais transmissores da raiva ainda são cães e gatos
[28]. Embora a maioria dos morcegos não tenha raiva, os que têm podem ficar pesados, desorientados, incapazes de voar, o que torna mais provável que entrem em contato com seres humanos. Outras mudanças no comportamento do morcego contaminado são atividade alimentar diurna, hiperexcitabilidade, agressividade, tremores, falta de coordenação dos movimentos, contrações musculares e paralisia, seguida de óbito. O maior problema relacionado à raiva transmitida por morcegos são as mortes de animais de criação, principalmente bois
[28]. Os principais morcegos transmissores de raiva são da subfamília
Desmodontinae (família Phyllostomidae), os famosos morcegos vampiros, porém morcegos de outros tipos também podem se contaminar e transmitir a doença
[28].
Embora não se deva ter um medo desmesurado de morcegos, deve-se evitar manipulá-los ou tê-los no lugar onde se vive, tal como acontece com qualquer animal selvagem.
Os morcegos vampiros têm dentes muito pequenos e afiados, então podem morder uma pessoa adormecida sem que sejam sentidos. Além disso, eles são muito pequenos (cerca de 30 g), seu ataque é muito sutil e sua mordida é superficial, por isso é difícil que acordem a presa. Morcegos vampiros tem ainda um sétimo sentido, a termopercepção
[29], que os auxilia a saberem quais vasos sanguíneos são mais superficiais, propiciando assim uma mordida menos dolorida; morcegos vampiros não tem anestésico na saliva, ao contrário do que se pensa. Porém, eles têm um forte anticoagulante na saliva, que retarda a cicatrização da ferida, permitindo que se alimentem por mais tempo; essa substância tem sido estudada para a elaboração de remédios para a circulação
[30].
Se um morcego for encontrado em uma casa e não se puder excluir a possibilidade de exposição, o morcego deve ser capturado e imediatamente encaminhado para o centro local de controle de
zoonose para ser observado. Isto também se aplica se o morcego for encontrado morto. Se for certo que ninguém foi exposto ao morcego, ele deve ser retirado da casa. A melhor forma de fazê-lo é fechar todas as portas e janelas do cômodo exceto uma para o exterior. O morcego logo sairá.
Devido ao risco de raiva e também há problemas de saúde relacionados a suas
fezes, que podem conter, entre outros, os
fungos causadores da
histoplasmose, os morcegos devem ser retirados das partes habitadas das casas. O site do
Centro de Controle de Doenças dos
EUAcontém informações detalhadas sobre como manejar e capturar um morcego e sobre a manutenção de uma casa para impedir que morcegos nela se instalem.
Nos locais onde a raiva não é endêmica, como na maior parte da
Europa ocidental, pequenos morcegos podem ser considerados inofensivos. Morcegos grandes podem dar uma mordida desagradável. Trate-os com o respeito devido a qualquer animal silvestre.
Há muitas outras informações interessantes sobre morcegos vampiros e outros animais hematófagos no site
Dark Banquet(
http://www.darkbanquet.com), mantido por Bill Schutt.
Aspectos culturais
Na cultura ocidental o morcego é freqüentemente associado à noite e à sua natureza proibida. É um dos animais básicos associado com os caracteres ficcionais da noite, tanto a
vilões como
Drácula, quanto a
heróis como
Batman.
No
Reino Unido todos os morcegos estão protegidos pelos Decretos da Vida Silvestre e Zona Rural (
Wildlife and Countryside Acts), e mesmo perturbar um morcego ou seu ninho pode ser punido com pesada multa.
Em alguns países asiáticos, morcegos são muito apreciados na culinária tradicional, contudo seu consumo vem sendo proibido devido à ameaça que representa para populações naturais já reduzidas por outros fatores.
Morcegos no Brasil
Os morcegos são espécies silvestres e, no
Brasil, estão protegidos pela
Lei de Proteção à Fauna. A sua perseguição, caça ou destruição, no país, são consideradas
crimes. Morcegos são no Brasil a segunda maior ordem de mamíferos, com pelo menos 167 espécies distribuídas em nove famílias e 64 gêneros, sendo que a maioria das espécies do país pertence à família Phyllostomidae
[31]. Cerca de 50% dos morcegos brasileiros se alimentam de plantas, dependendo delas ou não, diferente do padrão geral para a ordem Chiroptera toda, que contém 70% de insetívoros
[18].
No Brasil, há uma organização civil de interesse público chamada "Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros" (SBEQ,
http://www.sbeq.org), que congrega vários pesquisadores e admiradores de morcegos no país. O objetivo da SBEQ é fomentar a pesquisa, a conservação, a educação e a divulgação científica sobre esses animais. A SBEQ tem um evento científico próprio, chamado "Encontro Brasileiro para o Estudo de Quirópteros" (
http://ebeq.sbeq.org), cuja última edição foi em 6 de abril de 2010. O Brasil conta atualmente com mais de 200 pesquisadores de morcegos, além de vários admiradores desses animais, que ainda não são bem compreendidos pelo público em geral
[32]. Há no Brasil uma revista científica com público internacional especializada em pesquisas sobre morcegos, a Chiroptera Neotropical (
http://chiroptera.conservacao.org/).
Nos estados de
Mato Grosso e de
Minas Gerais vêm sendo registrados surtos de
raiva transmitida por espécies hematófagas. Estes surtos são conseqüência da intensa ação antrópica, que cada vez mais vem tirando os alimentos (por exemplo, aves) e destruindo o habitat dessas espécies para a construção de casas e loteamentos. As populações humanas, ao se estabelecerem na rota de migração dessas espécies, acabam sujeitas a contrair a doença, que também afeta o gado.